Em 19 de
novembro deste ano, véspera do dia da Consciência Negra, o agronegócio confirma sua ferocidade antiindígena durante
invasão da Funai em Campo Grande/MS.
Enquanto setores
paragovernistas acusam o governo federal de omissão no que tange a demarcação
das terras indígenas, nós afirmamos: tal morosidade é deliberada, intencional e
coerente com a política neo-desenvolvimentista imposta em favor da velha
oligarquia rural consorciada com multinacionais da agroindústria.
Solidarizamo-nos
com os povos indígenas na luta pela terra e exigimos imediata devolução de seus
territórios! Viva a retomada!!!
Solidarizamo-nos,
também, com os funcionários da Funai – concursados ou não - que, distintamente
da alta burocracia do Estado, enfrentam no cotidiano de trabalho intenso
assédio moral e ameaças por parte do latifúndio/agronegócio e seus burocratas,
sob condições precárias de trabalho (dado o proposital sucateamento daquela
autarquia) e perda progressiva de direitos trabalhistas.
Urge que este
setor supere o sindicalismo de Estado e rompa com o governismo, a fim de
construir formas eficazes de luta e autodefesa, necessariamente orientados
em favor da luta pela terra. Obviamente, reconhece-se que tal condição não
se compara ao sofrimento dos povos indígenas, mas a luta de uma fração da
classe trabalhadora não pode se alhear da luta pela terra, pois o inimigo é um só
e a guerra é a mesma.
PELA
AUTODETERMINAÇÃO DO POVOS INDÍGENAS!
PELO
AUTOGOVERNO DA CLASSE TRABALHADORA!
VIVA
A ALIANCA CAMPO E CIDADE, POR TERRA E LIBERDADE!
* * *
Assista ao vídeo, a frase que o
marca é "O dia 30 está chegando e eu rogo uma praga para que vocês
morram" - Protesto de Fazendeiros na
Funai de Campo Grande - Preconceito e ódio
* * *
Segue relato*
sobre a invasão dos fazendeiros à Coordenação Regional da FUNAI em Campo
Grande-MS:
Um dia após o
anúncio do início das doações de cabeças de gado para a realização do leilão
que pretende arrecadar fundos para a contratação de milícias para promover o
genocídio indígena no MS (como se a contratação de empresas de capangas já não
fosse uma prática arraigada entre os autoproclamados produtores deste Estado),
os latifundiários decidiram começar a dar provas de seu poder de fogo e de sua
certeza de impunidade. Enquanto alguns deles se reuniam com o Governador André
Puccinelli e demais representantes políticos do agronegócio, para acordar os
detalhes da viagem que farão a Brasília, no próximo dia 21, com o objetivo de pressionar
o Governo Federal em relação à questão fundiária, outros, acompanhados por
centenas de pequenos produtores, oriundos em sua maioria do sul do Estado –
cooptados por alienação ou por interesses escusos - ocuparam o prédio da
Coordenação Regional da FUNAI na capital e fecharam a Rua Maracaju, onde se
localiza a Fundação, por aproximadamente quatro horas.
Os servidores
trabalhavam, por volta das 08:30, quando visualizaram o início da aglomeração
em frente ao prédio. Antes que tivessem tempo de ao menos entender o que se
passava, um grupo de dezenas de fazendeiros tomou a recepção, na tentativa de
forçar a entrada. Os funcionários passaram, então, a ouvir constantes ataques
verbais e provocações que se dirigiam tanto ao Órgão, quanto insultos pessoais
e de baixo calão. A situação se agravou no momento em que se propôs ao grupo
que dessem prosseguimento à manifestação na rua, mas desocupassem a portaria.
Os ânimos se exaltaram e, com gritos de “vamos invadir igual os índios fazem
nas nossas terras”, empurrando quem estivesse no caminho, ocuparam todo o
corredor de entrada do térreo.
Sobretudo a
partir desse momento, ficou evidente que os pequenos produtores estavam sendo
utilizados como mera massa de manobra pelos latifundiários. O discurso previamente
combinado se pautava pela suposta defesa dos direitos daqueles frente aos
“abusos cometidos pela FUNAI e pelas ONGs”, que, conforme os proprietários do
Estado seriam as responsáveis pelas retomadas promovidas legítima e
autonomamente pelos povos indígenas. O fato que esses pequenos produtores,
chacareiros e sitiantes parecem ignorar é que o agronegócio monocultor,
exportador, concentrador de terras e renda, financiado pelas transnacionais
fabricantes de agrotóxicos, que vem há décadas promovendo o sistemático
assassinato de lideranças indígenas e de qualquer um que se oponha aos seus
interesses, em sua infinita necessidade de acumulação de capitais, é também
inimigo da pequena propriedade rural. Estes homens e mulheres, verdadeiros
trabalhadores do campo - assim como assentados, indígenas, quilombolas e
ribeirinhos - que hoje se posicionaram ao lado dos latifundiários, correm o
grande risco de se verem igualmente engolidos pelo latifúndio, restando-lhes
apenas a alternativa de migrarem para as periferias das cidades ou se
transformarem em sem-terras. Daí, sim, o Brasil verá a sua classe produtora
arruinada, pois não é à base dos grãos e das comoditties exportadas pelo
agronegócio que a nação se alimenta, mas com os produtos semeados nas pequenas
e médias propriedades.
As agressões
não pararam: servidores, indígenas e não indígenas, indignados com as falas
falaciosas e ofensivas contra os povos originários, tentaram em vão argumentar
razoavelmente, sendo quase agredidos fisicamente; um indígena Terena que
prestava declarações a uma equipe de televisão por pouco não foi atingido por
uma garrafa térmica manejada por um fazendeiro de Laguna Caarapã, na intenção
de impedir que a entrevista ocorresse; o mesmo fazendeiro, ao ser interpelado
verbalmente por um servidor por conta de sua atitude violenta, tentou quebrar o
equipamento de vídeo que este portava. Sucederam-se ainda diversos discursos de
incitação a ações de retaliação aos indígenas e aos defensores de seus
direitos, sempre ao som do Hino Nacional, repetido à exaustão, como manda a
etiqueta de qualquer manifestação fascista que se preze.
Merece
destaque também o comportamento das forças policiais durante o ocorrido. Menos
de dez agentes da Polícia Militar foram deslocados para garantir a integridade
dos servidores e se portaram de maneira bem distinta daquela a que a sociedade
está acostumada quando o assunto é coibir manifestações populares: nada de
Tropa de Choque, nada da truculência, balas de borracha ou spray de pimenta. O
que se viu foi uma atitude de quase camaradagem com os invasores (permito-me
aqui lançar mão do jargão dos donos do poder) ou até mesmo um certo tom de
respeito silencioso aos nobres donos do Estado.
Resta
questionar qual teria sido a atitude dos mantenedores da Lei e da Ordem se, no
lugar de um protesto organizado por milionários, tivéssemos uma manifestação de
indígenas, sem-terras, ou quaisquer outros grupos que não detenham o poder
econômico. Os Amarildos e Oziéis, que insistem em cometer o hediondo crime de
nascerem pretos, pobres e índios nesta democracia de gangsters, poderiam dar
resposta a essa indagação, caso já não estivessem eternamente silenciados.
A
“manifestação pacífica”, conforme a qualificou a mesma imprensa que costuma
chamar de vândalos e baderneiros os trabalhadores e estudantes que saem às ruas
em oposição às verdadeiras injustiças sociais, teve fim por volta das 13:00h,
com a desocupação do prédio e o final antecipado do expediente para os
servidores.
O recado dado
nessa manhã de ignorância, bestialidade e covardia foi bastante claro: eles
sabem muito bem que são os donos das terras, do dinheiro, da mídia e de boa
parte do Governo – que, só neste ano, destinou cento e trinta e seis bilhões de
Reais para engordar os bolsos do latifúndio, via Plano Safra, enquanto deixa a
FUNAI à míngua com orçamentos cada vez mais diminutos - e sua capenga Justiça,
e não descansarão até que todo o país se transforme em terra arrasada por sua
monocultura devastadora.
Aos que se
opõem a tal plano, restam duas opções: continuar com seus discursos de
panos-quentes, concordando com a estúpida política de conciliação de classes
adotada pelo Governo burguês, ou assumir a tarefa da resistência e da luta
frente às violações praticadas em nome do desenvolvimentismo capitalista.
Campo
Grande-MS, 19 de novembro de 2013
*O relato acima foi redigido por pessoa que
estava presente no local durante os acontecidos, mas prefere não se identificar
por questões de segurança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário