segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Comunicado 16: Um novo ciclo da luta de classes no Brasil




REDE ESTUDANTIL CLASSISTA E COMBATIVA

Brasil, outubro de 2013
Comunicado Nacional da RECC nº 16
www.redeclassista.blogspot.com | rede.mecc@gmail.com

 
Um novo ciclo da luta de classes no Brasil:
as Jornadas de Junho como explosão da contenção social e as tarefas da auto-organização popular

 



"Organizar a esperança,
conduzir a tempestade,
romper os muros da noite.
Criar sem pedir licença,
um mundo de liberdade."
Pedro Tierra

I.




O
s últimos meses alteraram permanentemente o quadro político nacional. Vimos em um período de tempo inacreditavelmente curto todas as “grandes verdades”, aceitas pela direita tradicional à esquerda institucional, desmoronarem como um castelo de cartas. Um levante popular em poucas semanas se alastrou pelo país. Nas grandes mídias, nos partidos políticos e entre grande parte de nossos intelectuais, dizia-se em uníssono que o Brasil havia entrado num ciclo sustentável de desenvolvimento, com diminuição das desigualdades sociais, aumento do emprego formal e crescimento econômico. Esse suposto consenso, que buscou legitimar a existência de uma “democracia em consolidação” no Brasil, não passava ao escrutínio de um olhar mais rigoroso sobre o que de fato ocorria no subterrâneo de nossas grandes cidades.
Expansão sem precedentes de uma educação de baixa qualidade e privatista em conluio com grandes grupos empresariais, voltada quase que exclusivamente para uma massa de trabalhadores precarizados e terceirizados (alheios a qualquer rede estatal de proteção); a violência sistemática e genocida contra a população pobre das periferias dos grandes centros urbanos, perpetrada por uma polícia militar completamente inescrupulosa e sem qualquer freio à sua sanha insaciável por sangue da nossa juventude negra; a manutenção do odioso sistema de transporte urbano que, a custo do sacrifício cotidiano da população, sustenta ínfimas famílias de empresários mafiosos. Hoje, contudo, todas aquelas verdades de estabilidade social se esfumaçaram no ar e ninguém que se queira dar ao respeito irá repeti-las com a mesma soberba de antes – o Rei está nu, ainda que os ideólogos de antes busquem lhe proteger com uma pequena tanguinha.



II.



É preciso o esforço para captar os acontecimentos em sua qualidade dinâmica, e não estática, necessariamente contraditória, e não absoluta. Entender o que vem levando, de junho a hoje, milhares às ruas como parte de um processo histórico não concluído e como fenômeno relativamente novo. Novo, pois em parte indica uma ruptura com o modelo reformista, legalista e pacifista de luta experimentado majoritariamente nas últimas três décadas no Brasil.
Não se trata de uma ruptura total, trata-se de um fenômeno até então paralelo, pois o velho peleguismo das centrais, sindicatos, entidades estudantis e partidos reformistas não foi alterado. Mas também, paralelo a tais organizações tradicionais – apesar de convergirem nas manifestações cívicas, ordeiras e pacíficas –, surgiram e rapidamente desapareceram setores que reivindicavam em vão o “sem vandalismo”. O diferencial é que sua aparição se deu num contexto de tomada coletiva das ruas, embora hoje não mais resistam nesta tomada. Seriam estes a direita? Seriam a classe média?
O apego ao símbolo nacional difundiu-se desgraçadamente, mas onde estiveram as bandeiras vermelhas nos últimos trinta anos?  Com raras exceções, se institucionalizaram no mesmo Estado Nacional e nas burocracias estudantis e sindicais, distantes do povo. E se a falta de um programa pôde ser oportunamente questionada pelas emissoras de televisão – é óbvio que o fariam! – com qual direito poderiam fazê-lo os sindicatos e partidos oficiais quando seus programas de ação não passam das farsantes vias eleitorais e democráticas? Como atua o dito Partido dos Trabalhadores há dez anos no governo, se não acomodando as tensões sociais e maquiando os conflitos de classe, mantendo inalterada a estrutura social do país? Não é preciso trágicas repetições do ciclo petista em nossa história. Seus programas, aceitos pelas burocracias estudantis e sindicais, não teriam vazão nas massas que tomaram as ruas sem tutelas e sem unificação organizativa. Uma definição programática destas lutas ainda está por se consolidar.
Depois de três décadas, depois de tanta contenção popular diante das restritivas estruturas políticas, econômicas e sociais típicas da reestruturação produtiva e da ilusória "redemocratização" no Brasil, aliadas ao trabalho cupulista e conciliador dos “representantes” estudantis e sindicais, depois de tudo isso, não é de se estranhar a falta de uma clara organização e um programa aos sujeitos que tomam as ruas. A explosão e a espontaneidade foram o contrapeso da contenção popular. Hoje, entretanto, os protestos estão mais refinados politicamente, encontramos nas ruas uma verdadeira vanguarda cuja palavra de ordem que a anima é certamente a revolução. Esta vanguarda deve aprimorar suas ações e focar para constituir a retaguarda ativa da luta popular através dos trabalhos de base, sem a qual a luta não oxigenará e a repressão mais facilmente nos abaterá.
Mas se antes para alguns não estava na ordem do dia o socialismo, noutros isto aparece em germe, na reivindicação dos serviços púbicos essenciais, contra a carestia de vida, na luta direta para resistir à violência do Estado policial, para combatê-lo. As próprias ações destrutivas surgem como reflexo da violência cotidiana sofrida pelas parcelas pauperizadas, exploradas e oprimidas no trabalho, no transporte público, nos hospitais, estádios de futebol, escolas e abordagens policiais. A explosão foi a expressão política de um povo que esteve contido e violentado. Seus alvos foram bancos, multinacionais, órgãos públicos, representantes do Estado e do Capital e não violências a esmo como pratica a polícia. Não pode haver nada mais didático para o aperfeiçoamento desta expressão política do que a dinâmica dos próprios acontecimentos auxiliada pelas organizações amigas do povo e das experiências históricas e contemporâneas noutros países. O povo nada perde por não escutar a arrogância das emissoras de televisão e partidos eleitorais nos taxando por suposta falta de propósitos, táticas ou formas organizativas.
Quais foram os propósitos, táticas e formas organizativas da maioria das entidades estudantis, sindicais e partidárias oficiais? Inexistentes ou burocráticas assembleias de base, voltas olímpicas nas avenidas, migalhas negociadas nos gabinetes com as autoridades e, por fim, campanha eleitoral do partido para melhor nos representar no parlamento. A duras penas, é compreensível a preferência de que o aprendizado venha da auto-organização. As estruturas oficiais perderam a credibilidade.
O período político também traz novos sujeitos. Ainda que seja questionável a absoluta presença de uma classe média nas ruas, o governismo, assim enquadrando as manifestações, tratou ou de ostentá-los pitorescamente como “o povo que obteve instrução e elevação de renda nos últimos dez anos e agora “quer mais direitos” (sic) ou simplesmente quis invalidar qualquer que fosse sua expressão por ser de “classe média”. Porém nada condenam a mesma “classe média” que, por ventura, seja a base dos seus sindicatos no serviço público, na aristocracia operária ou nas eleições estatais.
Em primeiro lugar, o conceito de classe média é totalmente questionável. O governo federal adotou uma formulação deste e hoje o utiliza como instrumento de propaganda política. Classe média é um conceito de classes de renda (classes A, B, C, D etc.) e não de classes sociais (burguesia e proletariado). Ele não explica o funcionamento estrutural da sociedade capitalista e o esconde propositadamente para se reportar aos estratos de remuneração média da sociedade. Assim, ignora se são pertencentes a frações do proletariado de renda mais elevada advinda do trabalho ou da pequena burguesia que obtém renda do capital.
Que hajam indivíduos advindos da burguesia (pequena, média ou grande) que se queiram mostrar solidários às reivindicações dos trabalhadores, não temos nenhuma dúvida. Mas a exceção confirma a regra. Qualquer que seja a devoção destes sujeitos, esta será posta em prova, sendo aceitos se estes estiverem prontos para abdicar de seus poderes e privilégios de classe. Não verbalmente, mas de fato. Pois os mesmo poderes e privilégios são sustentados por nossa exploração e são antagônicos ao bem-estar e a liberdade dos trabalhadores. Não há conciliação harmônica entre condições antagônicas de classes sociais.
Mas certamente não foram estes setores que estiveram majoritariamente nas ruas. Constatamos, sim, a presença de frações dos trabalhadores de renda mais elevada ou padrão de consumo sustentado pelo endividamento. Porém apenas quem esteve nas linhas de frente contra a polícia fascista nos grandes centros urbanos, nos subúrbios e periferias, pôde ver o que a rede globo não mostrou: a notória presença de trabalhadores superexplorados, desempregados, estudantes precários, enfim, a juventude marginalizada. Esta presença ocorreu de forma massificada em diversos protestos e sua expressão política classista não pode ser questionada.
Portanto, mentem os meios de comunicação ao dizerem que não houve presença da classe trabalhadora. Mentem de maneira descarada as centrais sindicais e partidos ao afirmarem que os trabalhadores entraram em cena nas ruas no dia 11/07, coincidentemente quando as centrais legalizadas pelo Estado convocaram uma pretensa paralisação nacional! Como se antes não fossem trabalhadores. Com se os jovens combatentes fossem egressos de outra classe social! Como se os trabalhadores pudessem expressar sua luta apenas através dos sindicatos oficiais. Nesta caracterização reside a maior arrogância típica da prática de tutela e cupulismo das centrais, sindicatos e partidos.
Hoje temos uma geração que se forma na base de outros acontecimentos, ações e debates coletivos, conflitos de rua, luta de classes aberta: são outras experiências forjando outra tradição de luta. Hoje discute-se política de uma forma mais aberta no seio do povo, temas que outrora seriam “tabus”. Então, vendo os fatos como dinâmicos, não nos cabe a ansiedade e arrogância para qualifica-los como desejaríamos que fossem, mas sim como de fato são. Há múltiplos elementos objetivos e subjetivos em jogo. Todos eles podem ser transformados: pode-se esfriar ou acirrar ânimos, politizar ou despolitizar as revoltas, pode-se aprimorar ou podar as iniciativas difusas de organização, pode-se jogar a contestação social para dentro ou para fora do Estado e assim por diante.



III.



Desde Junho, a cada curto intervalo de tempo vemos um elemento novo ou mais expressivo entrando em cena e caracterizando o atual levante popular no Brasil. Nas primeiras semanas havia a quase exclusiva condenação pela mídia como se fossem criminosas as ações dos movimentos pela revogação da tarifa nos transportes em São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. Na semana seguinte, inspirados pelas manifestações de rua e solidários às vítimas da repressão jurídico-militar, explodiram lutas em dezenas de outras cidades brasileiras – deve-se considerar que houve aumento tarifário em no mínimo 15 capitais neste mesmo período e grande insatisfação popular com os efeitos negativos dos megaeventos (os mesmos defendidos por partidos governistas, PT e PCdoB).
Então a grande imprensa, incapaz de apenas criminalizar os movimentos e não tendo mais como contê-los, adota a estratégia de também "disputar" as bandeiras e formas de ação das manifestações, valorizando/estimulando de forma sistemática e aparentemente neutra as heterogeneidades de reivindicações e as ações ordeiras. Vemos surgir ridiculamente nas revistas e telejornais "datenas" e "bonners", agora especialistas em manifestações, nos ditando o que fazer. Grupos organizados de extrema direita também tentam "disputar" as manifestações e, sem ostentar suas bandeiras, inserem-se veladamente nos atos (tal como faz o DEM, PMDB, PSDB etc.) ou de forma explícita (sendo exemplo cabal o ataque de fascistas no dia 20/06 em São Paulo a movimentos sociais e partidos da esquerda reformista). Também policiais se infiltram nas manifestações, reuniões presenciais e redes sociais estimulando variadas fórmulas de delação. Partidos como PT e PCdoB e centrais como a CUT e a CTB praticaram delação e violência voluntária contra manifestantes combativos. Vemos, portanto, uma ação repressiva agir em larga escala de fora para dentro e de dentro para fora dos movimentos.
O fim de junho e início de julho apareceu marcado pela articulação mais nítida de movimentos sociais e partidos para entrarem em campo neste levante. Os chamados para o dia 27/06 e 11/07 evidenciam esta caracterização. Não que as forças partidárias, organizações populares e centrais sindicais estivessem totalmente ausentes desde as primeiras lutas. Mas, em primeiro lugar, não o fizeram com chamados e pautas próprias nem mesmo convocando suas bases às ruas ou às greves. Em segundo lugar, a explosão de atos ocorreu por fora das organizações de classe tradicionais (as hoje hegemônicas). Em Porto Alegre foi o Bloco de Lutas, em São Paulo o MPL e em Goiânia a Frente de Luta Contra os Aumentos os sujeitos centrais das convocações, portanto estruturas flexíveis, conjunturais e “não-tradicionais” por assim dizer.
Foi, sobretudo, a tentativa da direita de disputar o "movimento" que incitou a esquerda reformista a se colocar de forma mais contundente. Poderíamos compreender esta "letargia" inicial também devido ao caráter imprevisível e espontâneo de adesão e ações neste ascenso de mobilizações, ao menos na magnitude e no tempo em que ocorreram.
De certa fora, é esta ascensão espontânea e imprevisível que merece melhor atenção, pois revela contradições fundamentais e um cenário futuro ainda em aberto. A primeira contradição é que sua ocorrência deu-se praticamente por fora das organizações de massa oficiais e dos partidos políticos, mesmo os da esquerda reformista. Os sujeitos que tomam hoje as ruas são aqueles em grande medida não tutelados pela forma e conteúdo das representações oficiais (governista e reformista) dos estudantes e trabalhadores. E não estamos dizendo dos setores de renda média da sociedade ao qual a mídia dá enfoque. Dizemos dos levantes que tem ocorrido nas periferias e subúrbios e na aparição dos sujeitos sociais mais pauperizados nos grande atos, o que a mídia deliberadamente esconde, pois sabe que reside nesta camada da sociedade a maior capacidade de questionamento do "estado atual das coisas".
A segunda contradição é que estes mesmos setores tendem a expressar uma luta cujas metodologias visivelmente fogem daquelas permitidas e orientadas pelas vias estatistas. Burlam os atos "ordeiros e pacíficos" com rotas e negociações combinadas anteriormente com a polícia e as autoridades. Chegam ao ponto de questionar ainda intuitivamente as eleições e o parlamento e instauram as ruas como seu legítimo espaço de ação política. Obviamente não estamos dizendo da totalidade dos manifestantes, mas a crescente utilização de resistência ativa (autodefesa e contra-ataque) por um determinado setor do movimento vem expressando o limite de uma tradição cultivada nas últimas quatro décadas pelos grandes e pequenos partidos que se reconhecem como esquerda no Brasil (PCdoB, PT, PSTU, PSOL) e seus aparelhos estudantis e sindicais (CTB, CUT, UNE, ANEL) –  uma esquerda reformista e domesticada. A combatividade explosiva dos protestos definitivamente fugiu do roteiro das tradições de manifestos domesticados e isso abre o caminho da auto-organização e da ação direta em nível local e nacional.
Aqui chegamos ao "x" da questão. Estas duas contradições (levante de massas X refluxo das lutas anteriores, e métodos de resistência ativa X domesticação reformista) tem ocorrido de tal modo exatamente porque se deram por fora das tradições ordeiras e parlamentares. E, consequentemente, por fora das orientações das principais siglas dos movimentos sociais e partidários. E só ocorreram porque ocorreram por fora. De outra forma não poderia ter sido.
Mas o que leva as centrais sindicais e partidos reformistas a se inserir (ou tentarem se inserir) de forma "organizada" no movimento? Evidente que há diversos interesses no interior do reformismo para isso. Dentre eles, o dos governistas (PT, PCdoB, CUT, UNE, CTB, MST etc.) que abriga suas contradições, pois ao mesmo tempo em que não poderiam colocar suas bases nas ruas para se indispor com o governo federal e assim abrir caminho para a eleição da oposição de direita em 2014 (PSDB, DEM), muitos compreendem que deve-se reivindicar a ruptura do Governo com a burguesia para implantação de "reformas estruturais". Sua ação foi ao mesmo tempo tentar defender o governo com medo da apropriação eleitoral do movimento pela direita e exigir o que, por força material, o governo petista é incapaz de fazer sob pena de perder sua governabilidade: romper com a burguesia.
Abre-se então a possibilidade de crise na base governista ao mesmo tempo em que se reedita a tese da "disputa do governo". Ficaram dispostos assim: mais a "direita" do governo, o interesse é exclusivamente eleitoral; mais a "esquerda", é o delírio idealista que imagina ser possível o PT governar sem a burguesia ou sem seu próprio vice, Michel Temer (PMDB). Ao mesmo tempo em que se reivindicam reformas estruturais, seu aspecto genérico e pró-desenvolvimentista não visa combater a hiperacumulação de capitais em decorrência dos megaeventos, obras do PAC ou privatização da educação via PNE, por exemplo. Sem combater a hiperacumulação da burguesia é impossível reivindicar as melhorias para as condições de reprodução de vida da classe trabalhadora.
No interior da oposição reformista de esquerda ao governo petista (PSOL e PSTU, sobretudo) há uma leitura equivocada que conduz ações equivocadas. Os fatos da disputa pela direita do movimento na ocasião das bandeiras arrancadas, violência contra militantes partidários, incidência da grande imprensa etc. levou a caracterização superestimada e generalizada dos protestos como sendo uma "onda fascista" ou mesmo um "golpe de estado", propondo a construção de uma "frente antifascista". Contraditoriamente, estes mesmos setores não estão presentes nas barricadas combatendo a expressão maior do fascismo hoje: a repressão policial do Estado. Ao contrário, seus teóricos e dirigentes nacionais condenam os grupos de autodefesa, notoriamente os Black Blocs, fazendo coro com a grande imprensa ao classificar a resistência ativa como "minorias irresponsáveis".
Ora, ao dizerem que estes não são os métodos que “dialogam” com a classe, preparam seus discuros e campanhas eleitorais para 2014, exatamente no momento em que cresce a rejeição social frente às eleições estatais através das abstenções, votos brancos e nulos; ao afirmarem que a autodefesa e o contra-ataque dos manifestantes atrai a repressão policial, certamente se esqueceram que a nossa polícia atual, herdeira da ditadura, nunca precisou dos Black Blocs como pretexto de sua violência. A vida nos gabinetes e nas eleições estatais deseducou os reformistas da luta de classes aberta.
Há então um interesse comum dos partidos reformistas e seus apêndices sindicais, que é a defesa da própria ordem sindical pelega e estatal-eleitoral. Enquanto o povo avança desprendendo-se aos poucos, mas criticamente, das ilusões parlamentares (seja pelo elemento "moral" da corrupção ou abstencionista nas eleições, seja com uma prática insurrecional contra símbolos estatais), os reformistas do governo ou da "oposição" se lançarão na defesa de seus redutos eleitorais, disputando as migalhas de confiança do povo ou pretendendo retomar a confiança em parte perdida no Estado-burguês. E suas táticas eleitorais no ano que vem certificarão nossa análise. Ao invés de aumentar a cisão aberta entre a política do povo, de um lado, e a política do Estado e do Capital, de outro, buscarão sarar essa fissura. Incorrem num erro perverso e contrarrevolucionário.
As eleições e seus preparativos em 2014 será um momento imperdível em que os oportunistas eleitoreiros darão a cara à tapa, todos buscando se apropriar em alguma medida das manifestações em curso. E o povo não deve se eximir de estapeá-los, vigorosamente.  
Uma das vias será a retomada das tentativas de incidência dos partidos via sindicatos - não se trata aqui de negar a entrada dos setores organizados da classe trabalhadora, sobretudo, em suas agremiações sindicais. O elo que se pode construir, por exemplo, entre professores em greve no estado do Rio de Janeiro e as táticas dos Black Blocs apontam a necessidade de um novo marco: por um lado nas lutas sindicais, que não mais podem se aquietar frente a falta de controle da base sobre suas direções nem frente a violência policial; e, por outro lado, na própria aparição dos Black Blocs que, surgindo como expressão tática avançada da ação direta, ainda podem incorrer no erro de se desenvolver sem vínculo com as reivindicações objetivas das categorias de base dos estudantes e trabalhadores. Esta dicotomia deve ser rompida.
Trata-se, então, de questionar as velhas formas pelegas do sindicalismo incorporando os novos elementos da luta de classes no Brasil, de se permitir arejar e renovar diante do passo a frente que deu as lutas populares. Falamos aqui de unir greves e barricadas, assembleias de base e ocupações dos locais de trabalho e estudo, propaganda e ação direta.
A maior preocupação e empenho dos estudantes e trabalhadores classistas e combativos hoje deve ser, então, ao passo que desorganizamos os aparatos estudantis sindicais pelegos, organizar os setores desorganizados: os trabalhadores precarizados, terceirizados, desempregados, moradores dos subúrbios, os estudantes trabalhadores, estagiários, as bases das entidades estudantis alheias a suas diretorias, enfim, os setores que foram às ruas de forma explosiva e que as hegemônicas organizações da esquerda não os contemplam. Cientes desta falta de credibilidade, devemos acertar o ponto da critica a tais organizações sem que elas estimulem a inação, o quietismo e o pessimismo nas lutas coletivas. Este será o maior desafio: desorganizar a burocracia e auto-organizar os desorganizados. Defender modelos sindicais e estudantis em que a base tenha o poder e o exerça por completo. Caso contrário, continuaremos vendo o rechaço popular às formas de organização coletivas da classe.



IV.



Aqui reside uma grande lição das lutas de agora: é o caráter insubordinado em relação aos métodos tradicionais dos movimentos sindicais e estudantis, incluindo também de alguns movimentos sociais mais próximos do governismo, que deu a gigantesca proporção às lutas atuais. Deve-se nesse ponto abdicar de qualquer dogmatismo e moralismo acerca do que em grande medida diferencia essas jornadas das lutas populares que pipocavam no país até então – a questão da legitimidade da autodefesa popular e da ação direta. É preciso tornar claro que os destituídos, aqueles que se propuseram a pôr a própria integridade física em risco a fim de diminuir vinte centavos da tarifa de transporte, não dispõem dos meios institucionais e financeiros para terem suas demanda atendidas. Pelo contrário, é somente através de sua força coletiva, união e solidariedade, ao impor a governos e empresas suas exigências, que o povo é capaz de se transformar em agente político efetivo. Tomar prédios públicos, encerrar vias, ocupar o espaço público da cidade e defender-se da polícia quando essa ataca são os meios à disposição dos mais oprimidos para satisfazer suas demandas, o que demonstra a incapacidade das vias tradicionais de canalizarem as vozes populares.
A questão da violência deve ser encarada como o desenlace da repressão policial e da ausência de instrumentos efetivos de empoderamento dentro da institucionalidade vigente. E não poderia ser diferente: frente ao poder econômico, cuja preponderância no sistema eleitoral é brutal, e a um aparelho de Estado que, contrariamente a todas as vãs esperanças reformistas, se mostra completamente incapaz de se adequar as exigências populares – principalmente nos seus braços econômicos e repressivos – é nada mais do que natural esperar que o descontentamento popular exploda sem conseguir ser mediado por nenhuma instância tradicional, seja ela partidária, sindical ou jurídica.
Nesse ponto, é necessário que deixemos a arrogância de lado e aprendamos um pouco com as massas que estão na rua: não devemos opor os enfrentamentos nas ruas aos métodos do movimento de massa (como greves por exemplos), tal como quer fazer o PSTU, mas sim buscar os elos a serem construídos entre as táticas de manifestações de rua em curso e as formas de luta empregadas historicamente pelo movimento sindical revolucionário. Se o modelo de sindicatos que temos atualmente, com sua lógica política interna e seu modo organizacional, não é capaz de dar respostas a essas questões, provavelmente isso decorra do congelamento burocrático que suas direções submeteram suas entidades, imortalizando-se no topo de uma estrutura burocrática inerte e afastando-se suas bases. Talvez, inclusive, ao ser ventilada pelas formas espontâneas e combativas de movimentos de rua, possa ser possível romper com a inércia e a integração estatista que impera no movimento sindical. Mas esse fim só será alcançado de baixo para cima, através da construção de Oposições que atuem junto à base conscientemente com este objetivo.
Essa tarefa, portanto, ainda está a ser realizada. O potencial proletário só pode ser desenvolvido mediante sua luta, de acordo com suas condições objetivas e subjetivas, em vistas de um programa concreto a ser conseguido a partir de suas próprias forças.  No ciclo de lutas iniciado em Junho e que teve, acreditamos, um ilustre desenvolvimento na greve dos professores no Rio de Janeiro e Goiânia, tais problemas eclodiram com emergência importantíssima. Após um possível arrefecimento das manifestações de rua e dos ânimos públicos, devemos nos manter atuando em cada uma de nossas localidades buscando dar prosseguimento às manifestações de rua, tentando dar um programa classista às reivindicações genéricas exigidas por parte considerável da juventude trabalhadora do país.  Cabe agora reestabelecer a auto-organização popular em nossos espaços de sociabilidade – estudo, trabalho e moradia – dando continuidade ao sentimento de falência das vias tradicionais, partidárias e eleitorais, tão desacreditadas após o levante popular de junho.



V.



A tática e a estratégia da auto-organização, portanto, devem ser bem claras. A classe trabalhadora, através de suas organizações de base, é capaz de realizar a luta política. Por luta política não entendemos algo em dicotomia com a luta econômica. A luta política antecipa e ao mesmo tempo é um desdobramento da luta econômica –  na verdade, ambas estão a todo tempo associadas. Grosso modo, luta política é luta por poder, pela gestão dos ambientes de sociabilidade, da produção, da saúde, da educação, da distribuição dos itens necessários a vida, das relações internacionais etc.; e a luta econômica é a luta pela reprodução das condições de existência, é hoje a luta por salários, por acesso à saúde pública, previdência social, moradia, alimentação etc.
Por muito tempo, criou-se uma falsa dicotomia com a tradição de que caberia aos movimentos sociais (estudantis, sindicais e populares) fazerem a luta econômica, enquanto os partidos fazem a luta política. Trocando em miúdos: sindicatos reivindicam salários e os partidos operam no interior e junto ao Estado cuidando da macroeconomia e dos planejamentos estratégicos da sociedade. A luta isolada dos movimentos, segundo os ideólogos desta tradição, resultaria em economicismo – reivindicações por melhorias das condições de vida que não rompem com o capitalismo. Logo, os movimentos dependem dos partidos, pois a relação salarial depende da macroeconomia (empresários sanguessugas sempre recorrem aos fundos públicos e ao Estado exigindo isenções fiscais, desregulação das leis trabalhistas etc., e lá estariam os "partidos dos trabalhadores" para mediar tais lutas).
Sabemos que há outras concepções da relação partido-classe, porém esta descrita acima é a mais difundida. Seu exemplo máximo é o PT, há uma década no governo federal, e em menor proporção reproduzida por partidos como PSTU e PSOL. Mas qual o resultado desta concepção? Ela se desenvolve em reformismo, e tão logo em colaboracionismo de classes. Quer dizer, o PT não somente não foi capaz de assegurar direitos e reduzir a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres – quando muito desenvolveu políticas de assistência, elevação de renda e empregos formais, porém superexplorados – mas em dez anos de governo garantiu recordes históricos de lucro aos bancos, ao agronegócio, às empreiteiras, manteve todas as privatizações do governo FHC e iniciou novas privatizações na previdência social, nas rodovias, portos, aeroportos e ao leilão do petróleo à burguesia internacional.
Ou seja, não se sustenta a crítica de que fatalmente as lutas dos movimentos sociais por si só resultaria em economicismo. Pois o suposto contrabalanço para que estas lutas econômicas se desenvolvam em luta política por poder, via partidos eleitorais, se resume à gestão do Estado capitalista, que produz e reproduz a exploração econômica dos trabalhadores e a exclusão política da sociedade.
Qual seria, então, nossa compreensão da luta a longo prazo? De que é necessário que o conjunto dos movimentos sociais se desenvolvam com o objetivo de reorganizar a propriedade, baseando-se na direção coletiva dos processos produtivos e econômicos e na política de mutualidade-redistribuição com o propósito de que a renda nacional e mundial sejam repartidas de forma a eliminar as desigualdades e hierarquias sociais. Isto implica a própria reorganização do sistema educacional, de modo a atender universalmente e capacitar manual e intelectualmente os trabalhadores, mas eliminando a dicotomia trabalho intelectual/trabalho manual. Mas como devem ser garantidos tais objetivos? Através da autodeterminação dos povos, ou naquilo que chamamos de autogoverno dos trabalhadores. Quer dizer, o controle da produção e dos processos decisórios na esfera da formação de mão-de-obra, produção e circulação feito diretamente pelos produtores e consumidores.
Então, porque a luta política "precede" e se "desdobra" da luta econômica? Pois ela inicia no interior da organização dos estudantes e trabalhadores para que estes tenham o poder coletivo da direção de suas próprias entidades. Estas lutas, entretanto, não se prendendo as dinâmicas de apoios parlamentares e nem reivindicando o Estado como juiz da luta de classes, devem necessariamente se desenvolver pela ação direta. E ação direta significa enfrentar patrões, governos, mídias, polícias e a justiça burguesa, pois ao fim elas visam o autocontrole de todos os espaços de sociabilidade. É por isso que se faz necessário unificar as táticas dos Black Blocs com as ações das entidades de classe, pois a ação direta deve ser executada como ação de massas.
Iniciar o controle das entidades é a condição para garantir as melhorias econômicas de hoje (salários, saúde pública, previdência social, moradia, alimentação etc.), através dos enfrentamentos com a ordem estabelecida, visando o autogoverno generalizado da sociedade (pela gestão dos trabalhadores sobre os ambientes de sociabilidade, da produção, da saúde, da educação, da distribuição dos itens necessários a vida, das relações internacionais etc.).
Mas se estas entidades (sindicatos, grêmios, associações, DCE, CAs etc.) não são democráticas nem cumprem sua função de mobilizar sua base coletiva para lutar, elas devem necessariamente ser destruídas ou transformadas. A tática organizativa da transformação destas entidades, em nossa concepção, é a consolidação de Oposições. Não se trata de chapas de oposição para eventualmente disputar as gestões. As Oposições de Base são agrupamentos que paulatinamente disputam os rumos do movimento, sobretudo militando para fazer agitação, propaganda e organização da base e criando experiências de luta coletiva. Defendem as práticas coerentes com o autogoverno dos trabalhadores, como as greves e ocupações, por exemplo, como uma ginástica revolucionária.
Lutamos no cotidiano para que não sejam os partidos eleitorais os veículos pelos quais os movimentos sociais busquem representantes de nossas reivindicações. Afirmamos que somente tem legitimidade para representar às reivindicações dos movimentos aqueles sujeitos de sua própria base, eleitos democraticamente entre seus pares nas devidas instâncias, cuja função será imperativa e os cargos revogáveis. Mas a atuação dos movimentos não se exerce tão somente como forma representativa. Mas principalmente com poder de pressão, e este nível é exatamente as manifestações de rua, as tomadas de prédios públicos, de reitorias e escolas, de terras, a paralisação da produção e do trabalho. Enfim é a não substituição dos trabalhadores e estudantes em sua luta, é a ação direta.
É por este motivo que estamos construindo um Encontro Nacional de Oposições Populares, Estudantis e Sindicais (ENOPES) em novembro de 2013, no Rio de Janeiro (www.enopes2013.wordpress.com). Ele visa dar substância e articulação entre oposições que atuam nas mais diferentes frações dos trabalhadores. Pois o autogoverno da sociedade pressupõe a pluralidade e a democracia, ou seja, dele devem participar todas as frações do proletariado. Esta articulação do futuro começa agora: desde a criação das oposições por local de trabalho, estudo e moradia; por sua coordenação nacional; e pela sua evolução futura para uma Central de Classe que, enfrentando o Estado e o Capital, obtenha o poder político e econômico sobre a sociedade, eliminando a exclusão e a exploração.
Por fim, não devemos ter dúvidas: devemos defender o amplo e democrático método do diálogo no interior dos movimentos para formação política de nossas reivindicações e a defesa até as últimas consequências destas reivindicações pelas manifestações de rua; sem receios, usemos e aprimoremos os métodos combativos que nossos inimigos estão condenando, pois são estes métodos a mais alta expressão do antagonismo de classes e da não conciliação entre explorados e exploradores!




É barricada!!! Greve Geral!!! Ação Direta que derrota o Capital!!!
Liberdade ou morte: Venceremos!!!

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