REDE ESTUDANTIL CLASSISTA E
COMBATIVA
Brasil,
outubro de 2013
Comunicado Nacional da RECC nº 16
Comunicado Nacional da RECC nº 16
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Um novo ciclo da luta de classes no Brasil:
as Jornadas de Junho como explosão da contenção
social e as tarefas da auto-organização popular
Versão em pdf: Comunicado Nacional nº16 [Outubro de 2013]
"Organizar a esperança,
conduzir a tempestade,
romper os muros da noite.
Criar sem pedir licença,
um mundo de liberdade."
Pedro
Tierra
I.
O
|
s últimos meses alteraram permanentemente o quadro político nacional.
Vimos em um período de tempo inacreditavelmente curto todas as “grandes
verdades”, aceitas pela direita tradicional à esquerda institucional,
desmoronarem como um castelo de cartas. Um levante popular em poucas semanas se
alastrou pelo país. Nas grandes mídias, nos partidos políticos e entre grande
parte de nossos intelectuais, dizia-se em uníssono que o Brasil havia entrado
num ciclo sustentável de desenvolvimento, com diminuição das desigualdades
sociais, aumento do emprego formal e crescimento econômico. Esse suposto
consenso, que buscou legitimar a existência de uma “democracia em consolidação”
no Brasil, não passava ao escrutínio de um olhar mais rigoroso sobre o que de
fato ocorria no subterrâneo de nossas grandes cidades.
Expansão sem precedentes de uma educação de baixa
qualidade e privatista em conluio com grandes grupos empresariais, voltada
quase que exclusivamente para uma massa de trabalhadores precarizados e
terceirizados (alheios a qualquer rede estatal de proteção); a violência
sistemática e genocida contra a população pobre das periferias dos grandes
centros urbanos, perpetrada por uma polícia militar completamente inescrupulosa
e sem qualquer freio à sua sanha insaciável por sangue da nossa juventude
negra; a manutenção do odioso sistema de transporte urbano que, a custo do
sacrifício cotidiano da população, sustenta ínfimas famílias de empresários
mafiosos. Hoje, contudo, todas aquelas verdades de estabilidade social se
esfumaçaram no ar e ninguém que se queira dar ao respeito irá repeti-las com a
mesma soberba de antes – o Rei está nu, ainda que os ideólogos de antes busquem
lhe proteger com uma pequena tanguinha.
II.
É preciso o esforço para captar os acontecimentos
em sua qualidade dinâmica, e não estática, necessariamente contraditória, e não
absoluta. Entender o que vem levando, de junho a hoje, milhares às ruas como
parte de um processo histórico não concluído e como fenômeno relativamente
novo. Novo, pois em parte indica uma ruptura com o modelo reformista, legalista
e pacifista de luta experimentado majoritariamente nas últimas três décadas no
Brasil.
Não se trata de uma ruptura total, trata-se de um
fenômeno até então paralelo, pois o velho peleguismo das centrais, sindicatos,
entidades estudantis e partidos reformistas não foi alterado. Mas também,
paralelo a tais organizações tradicionais – apesar de convergirem nas
manifestações cívicas, ordeiras e pacíficas –, surgiram e rapidamente
desapareceram setores que reivindicavam em vão o “sem vandalismo”. O
diferencial é que sua aparição se deu num contexto de tomada coletiva das ruas,
embora hoje não mais resistam nesta tomada. Seriam estes a direita? Seriam a
classe média?
O apego ao símbolo nacional difundiu-se
desgraçadamente, mas onde estiveram as bandeiras vermelhas nos últimos trinta
anos? Com raras exceções, se
institucionalizaram no mesmo Estado Nacional e nas burocracias estudantis e
sindicais, distantes do povo. E se a falta de um programa pôde ser
oportunamente questionada pelas emissoras de televisão – é óbvio que o fariam!
– com qual direito poderiam fazê-lo os sindicatos e partidos oficiais quando
seus programas de ação não passam das farsantes vias eleitorais e democráticas?
Como atua o dito Partido dos Trabalhadores há dez anos no governo, se não
acomodando as tensões sociais e maquiando os conflitos de classe, mantendo
inalterada a estrutura social do país? Não é preciso trágicas repetições do
ciclo petista em nossa história. Seus programas, aceitos pelas burocracias
estudantis e sindicais, não teriam vazão nas massas que tomaram as ruas sem tutelas
e sem unificação organizativa. Uma definição programática destas lutas ainda
está por se consolidar.
Depois de três décadas, depois de tanta contenção
popular diante das restritivas estruturas políticas, econômicas e sociais
típicas da reestruturação produtiva e da ilusória "redemocratização"
no Brasil, aliadas ao trabalho cupulista e conciliador dos “representantes”
estudantis e sindicais, depois de tudo isso, não é de se estranhar a falta de
uma clara organização e um programa aos sujeitos que tomam as ruas. A explosão
e a espontaneidade foram o contrapeso da contenção popular. Hoje, entretanto,
os protestos estão mais refinados politicamente, encontramos nas ruas uma
verdadeira vanguarda cuja palavra de ordem que a anima é certamente a
revolução. Esta vanguarda deve aprimorar suas ações e focar para constituir a
retaguarda ativa da luta popular através dos trabalhos de base, sem a qual a
luta não oxigenará e a repressão mais facilmente nos abaterá.
Mas se antes para alguns não estava na ordem do
dia o socialismo, noutros isto aparece em germe, na reivindicação dos serviços
púbicos essenciais, contra a carestia de vida, na luta direta para resistir à
violência do Estado policial, para combatê-lo. As próprias ações destrutivas
surgem como reflexo da violência cotidiana sofrida pelas parcelas pauperizadas,
exploradas e oprimidas no trabalho, no transporte público, nos hospitais,
estádios de futebol, escolas e abordagens policiais. A explosão foi a expressão
política de um povo que esteve contido e violentado. Seus alvos foram bancos,
multinacionais, órgãos públicos, representantes do Estado e do Capital e não
violências a esmo como pratica a polícia. Não pode haver nada mais didático
para o aperfeiçoamento desta expressão política do que a dinâmica dos próprios
acontecimentos auxiliada pelas organizações amigas do povo e das experiências
históricas e contemporâneas noutros países. O povo nada perde por não escutar a
arrogância das emissoras de televisão e partidos eleitorais nos taxando por
suposta falta de propósitos, táticas ou formas organizativas.
Quais foram os propósitos, táticas e formas
organizativas da maioria das entidades estudantis, sindicais e partidárias
oficiais? Inexistentes ou burocráticas assembleias de base, voltas olímpicas
nas avenidas, migalhas negociadas nos gabinetes com as autoridades e, por fim,
campanha eleitoral do partido para melhor nos representar no parlamento. A
duras penas, é compreensível a preferência de que o aprendizado venha da
auto-organização. As estruturas oficiais perderam a credibilidade.
O período político também traz novos sujeitos.
Ainda que seja questionável a absoluta presença de uma classe média nas ruas, o
governismo, assim enquadrando as manifestações, tratou ou de ostentá-los
pitorescamente como “o povo que obteve instrução e elevação de renda nos últimos
dez anos e agora “quer mais direitos” (sic) ou simplesmente quis invalidar
qualquer que fosse sua expressão por ser de “classe média”. Porém nada condenam
a mesma “classe média” que, por ventura, seja a base dos seus sindicatos no
serviço público, na aristocracia operária ou nas eleições estatais.
Em primeiro lugar, o conceito de classe média é
totalmente questionável. O governo federal adotou uma formulação deste e hoje o
utiliza como instrumento de propaganda política. Classe média é um conceito de
classes de renda (classes A, B, C, D etc.) e não de classes sociais (burguesia
e proletariado). Ele não explica o funcionamento estrutural da sociedade
capitalista e o esconde propositadamente para se reportar aos estratos de
remuneração média da sociedade. Assim, ignora se são pertencentes a frações do
proletariado de renda mais elevada advinda do trabalho ou da pequena burguesia
que obtém renda do capital.
Que hajam indivíduos advindos da burguesia
(pequena, média ou grande) que se queiram mostrar solidários às reivindicações
dos trabalhadores, não temos nenhuma dúvida. Mas a exceção confirma a regra.
Qualquer que seja a devoção destes sujeitos, esta será posta em prova, sendo
aceitos se estes estiverem prontos para abdicar de seus poderes e privilégios
de classe. Não verbalmente, mas de fato. Pois os mesmo poderes e privilégios
são sustentados por nossa exploração e são antagônicos ao bem-estar e a
liberdade dos trabalhadores. Não há conciliação harmônica entre condições
antagônicas de classes sociais.
Mas certamente não foram estes setores que
estiveram majoritariamente nas ruas. Constatamos, sim, a presença de frações
dos trabalhadores de renda mais elevada ou padrão de consumo sustentado pelo
endividamento. Porém apenas quem esteve nas linhas de frente contra a polícia
fascista nos grandes centros urbanos, nos subúrbios e periferias, pôde ver o
que a rede globo não mostrou: a notória presença de trabalhadores
superexplorados, desempregados, estudantes precários, enfim, a juventude
marginalizada. Esta presença ocorreu de forma massificada em diversos protestos
e sua expressão política classista não pode ser questionada.
Portanto, mentem os meios de comunicação ao
dizerem que não houve presença da classe trabalhadora. Mentem de maneira
descarada as centrais sindicais e partidos ao afirmarem que os trabalhadores
entraram em cena nas ruas no dia 11/07, coincidentemente quando as centrais legalizadas
pelo Estado convocaram uma pretensa paralisação nacional! Como se antes não
fossem trabalhadores. Com se os jovens combatentes fossem egressos de outra
classe social! Como se os trabalhadores pudessem expressar sua luta apenas
através dos sindicatos oficiais. Nesta caracterização reside a maior arrogância
típica da prática de tutela e cupulismo das centrais, sindicatos e partidos.
Hoje temos uma geração que se forma na base de
outros acontecimentos, ações e debates coletivos, conflitos de rua, luta de
classes aberta: são outras experiências forjando outra tradição de luta. Hoje
discute-se política de uma forma mais aberta no seio do povo, temas que outrora
seriam “tabus”. Então, vendo os fatos como dinâmicos, não nos cabe a ansiedade
e arrogância para qualifica-los como desejaríamos que fossem, mas sim como de
fato são. Há múltiplos elementos objetivos e subjetivos em jogo. Todos eles
podem ser transformados: pode-se esfriar ou acirrar ânimos, politizar ou
despolitizar as revoltas, pode-se aprimorar ou podar as iniciativas difusas de
organização, pode-se jogar a contestação social para dentro ou para fora do
Estado e assim por diante.
III.
Desde Junho, a cada curto intervalo de tempo vemos
um elemento novo ou mais expressivo entrando em cena e caracterizando o atual
levante popular no Brasil. Nas primeiras semanas havia a quase exclusiva
condenação pela mídia como se fossem criminosas as ações dos movimentos pela
revogação da tarifa nos transportes em São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. Na
semana seguinte, inspirados pelas manifestações de rua e solidários às vítimas
da repressão jurídico-militar, explodiram lutas em dezenas de outras cidades
brasileiras – deve-se considerar que houve aumento tarifário em no mínimo 15
capitais neste mesmo período e grande insatisfação popular com os efeitos
negativos dos megaeventos (os mesmos defendidos por partidos governistas, PT e
PCdoB).
Então a grande imprensa, incapaz de apenas
criminalizar os movimentos e não tendo mais como contê-los, adota a estratégia
de também "disputar" as bandeiras e formas de ação das manifestações,
valorizando/estimulando de forma sistemática e aparentemente neutra as heterogeneidades
de reivindicações e as ações ordeiras. Vemos surgir ridiculamente nas revistas
e telejornais "datenas" e "bonners", agora especialistas em
manifestações, nos ditando o que fazer. Grupos organizados de extrema direita
também tentam "disputar" as manifestações e, sem ostentar suas
bandeiras, inserem-se veladamente nos atos (tal como faz o DEM, PMDB, PSDB
etc.) ou de forma explícita (sendo exemplo cabal o ataque de fascistas no dia
20/06 em São Paulo a movimentos sociais e partidos da esquerda reformista).
Também policiais se infiltram nas manifestações, reuniões presenciais e redes
sociais estimulando variadas fórmulas de delação. Partidos como PT e PCdoB e
centrais como a CUT e a CTB praticaram delação e violência voluntária contra
manifestantes combativos. Vemos, portanto, uma ação repressiva agir em larga
escala de fora para dentro e de dentro para fora dos movimentos.
O fim de junho e início de julho apareceu marcado
pela articulação mais nítida de movimentos sociais e partidos para entrarem em
campo neste levante. Os chamados para o dia 27/06 e 11/07 evidenciam esta
caracterização. Não que as forças partidárias, organizações populares e centrais
sindicais estivessem totalmente ausentes desde as primeiras lutas. Mas, em
primeiro lugar, não o fizeram com chamados e pautas próprias nem mesmo
convocando suas bases às ruas ou às greves. Em segundo lugar, a explosão de
atos ocorreu por fora das organizações de classe tradicionais (as hoje
hegemônicas). Em Porto Alegre foi o Bloco de Lutas, em São Paulo o MPL e em
Goiânia a Frente de Luta Contra os Aumentos os sujeitos centrais das
convocações, portanto estruturas flexíveis, conjunturais e “não-tradicionais”
por assim dizer.
Foi, sobretudo, a tentativa da direita de disputar
o "movimento" que incitou a esquerda reformista a se colocar de forma
mais contundente. Poderíamos compreender esta "letargia" inicial
também devido ao caráter imprevisível e espontâneo de adesão e ações neste
ascenso de mobilizações, ao menos na magnitude e no tempo em que ocorreram.
De certa fora, é esta ascensão espontânea e
imprevisível que merece melhor atenção, pois revela contradições fundamentais e
um cenário futuro ainda em aberto. A primeira contradição é que sua ocorrência
deu-se praticamente por fora das organizações de massa oficiais e dos partidos
políticos, mesmo os da esquerda reformista. Os sujeitos que tomam hoje as ruas
são aqueles em grande medida não tutelados pela forma e conteúdo das
representações oficiais (governista e reformista) dos estudantes e
trabalhadores. E não estamos dizendo dos setores de renda média da sociedade ao
qual a mídia dá enfoque. Dizemos dos levantes que tem ocorrido nas periferias e
subúrbios e na aparição dos sujeitos sociais mais pauperizados nos grande atos,
o que a mídia deliberadamente esconde, pois sabe que reside nesta camada da
sociedade a maior capacidade de questionamento do "estado atual das
coisas".
A segunda contradição é que estes mesmos setores
tendem a expressar uma luta cujas metodologias visivelmente fogem daquelas
permitidas e orientadas pelas vias estatistas. Burlam os atos "ordeiros e
pacíficos" com rotas e negociações combinadas anteriormente com a polícia e
as autoridades. Chegam ao ponto de questionar ainda intuitivamente as eleições
e o parlamento e instauram as ruas como seu legítimo espaço de ação política.
Obviamente não estamos dizendo da totalidade dos manifestantes, mas a crescente
utilização de resistência ativa (autodefesa e contra-ataque) por um determinado
setor do movimento vem expressando o limite de uma tradição cultivada nas
últimas quatro décadas pelos grandes e pequenos partidos que se reconhecem como
esquerda no Brasil (PCdoB, PT, PSTU, PSOL) e seus aparelhos estudantis e
sindicais (CTB, CUT, UNE, ANEL) – uma
esquerda reformista e domesticada. A combatividade explosiva dos protestos
definitivamente fugiu do roteiro das tradições de manifestos domesticados e
isso abre o caminho da auto-organização e da ação direta em nível local e
nacional.
Aqui chegamos ao "x" da questão. Estas
duas contradições (levante de massas X refluxo das lutas anteriores, e métodos
de resistência ativa X domesticação reformista) tem ocorrido de tal modo
exatamente porque se deram por fora das tradições ordeiras e parlamentares. E,
consequentemente, por fora das orientações das principais siglas dos movimentos
sociais e partidários. E só ocorreram porque ocorreram por fora. De outra forma
não poderia ter sido.
Mas o que leva as centrais sindicais e partidos
reformistas a se inserir (ou tentarem se inserir) de forma
"organizada" no movimento? Evidente que há diversos interesses no
interior do reformismo para isso. Dentre eles, o dos governistas (PT, PCdoB,
CUT, UNE, CTB, MST etc.) que abriga suas contradições, pois ao mesmo tempo em
que não poderiam colocar suas bases nas ruas para se indispor com o governo
federal e assim abrir caminho para a eleição da oposição de direita em 2014
(PSDB, DEM), muitos compreendem que deve-se reivindicar a ruptura do Governo
com a burguesia para implantação de "reformas estruturais". Sua ação
foi ao mesmo tempo tentar defender o governo com medo da apropriação eleitoral
do movimento pela direita e exigir o que, por força material, o governo petista
é incapaz de fazer sob pena de perder sua governabilidade: romper com a
burguesia.
Abre-se então a possibilidade de crise na base
governista ao mesmo tempo em que se reedita a tese da "disputa do
governo". Ficaram dispostos assim: mais a "direita" do governo,
o interesse é exclusivamente eleitoral; mais a "esquerda", é o
delírio idealista que imagina ser possível o PT governar sem a burguesia ou sem
seu próprio vice, Michel Temer (PMDB). Ao mesmo tempo em que se reivindicam
reformas estruturais, seu aspecto genérico e pró-desenvolvimentista não visa
combater a hiperacumulação de capitais em decorrência dos megaeventos, obras do
PAC ou privatização da educação via PNE, por exemplo. Sem combater a
hiperacumulação da burguesia é impossível reivindicar as melhorias para as condições
de reprodução de vida da classe trabalhadora.
No interior da oposição reformista de esquerda ao
governo petista (PSOL e PSTU, sobretudo) há uma leitura equivocada que conduz
ações equivocadas. Os fatos da disputa pela direita do movimento na ocasião das
bandeiras arrancadas, violência contra militantes partidários, incidência da
grande imprensa etc. levou a caracterização superestimada e generalizada dos
protestos como sendo uma "onda fascista" ou mesmo um "golpe de
estado", propondo a construção de uma "frente antifascista".
Contraditoriamente, estes mesmos setores não estão presentes nas barricadas
combatendo a expressão maior do fascismo hoje: a repressão policial do Estado.
Ao contrário, seus teóricos e dirigentes nacionais condenam os grupos de
autodefesa, notoriamente os Black Blocs, fazendo coro com a grande imprensa ao
classificar a resistência ativa como "minorias irresponsáveis".
Ora, ao dizerem que estes não são os métodos que
“dialogam” com a classe, preparam seus discuros e campanhas eleitorais para
2014, exatamente no momento em que cresce a rejeição social frente às eleições
estatais através das abstenções, votos brancos e nulos; ao afirmarem que a
autodefesa e o contra-ataque dos manifestantes atrai a repressão policial,
certamente se esqueceram que a nossa polícia atual, herdeira da ditadura, nunca
precisou dos Black Blocs como pretexto de sua violência. A vida nos gabinetes e
nas eleições estatais deseducou os reformistas da luta de classes aberta.
Há então um interesse comum dos partidos
reformistas e seus apêndices sindicais, que é a defesa da própria ordem
sindical pelega e estatal-eleitoral. Enquanto o povo avança desprendendo-se aos
poucos, mas criticamente, das ilusões parlamentares (seja pelo elemento
"moral" da corrupção ou abstencionista nas eleições, seja com uma
prática insurrecional contra símbolos estatais), os reformistas do governo ou
da "oposição" se lançarão na defesa de seus redutos eleitorais,
disputando as migalhas de confiança do povo ou pretendendo retomar a confiança
em parte perdida no Estado-burguês. E suas táticas eleitorais no ano que vem
certificarão nossa análise. Ao invés de aumentar a cisão aberta entre a
política do povo, de um lado, e a política do Estado e do Capital, de outro,
buscarão sarar essa fissura. Incorrem num erro perverso e
contrarrevolucionário.
As eleições e seus preparativos em 2014 será um
momento imperdível em que os oportunistas eleitoreiros darão a cara à tapa,
todos buscando se apropriar em alguma medida das manifestações em curso. E o
povo não deve se eximir de estapeá-los, vigorosamente.
Uma das vias será a retomada das tentativas de
incidência dos partidos via sindicatos - não se trata aqui de negar a entrada
dos setores organizados da classe trabalhadora, sobretudo, em suas agremiações
sindicais. O elo que se pode construir, por exemplo, entre professores em greve
no estado do Rio de Janeiro e as táticas dos Black Blocs apontam a necessidade
de um novo marco: por um lado nas lutas sindicais, que não mais podem se
aquietar frente a falta de controle da base sobre suas direções nem frente a
violência policial; e, por outro lado, na própria aparição dos Black Blocs que,
surgindo como expressão tática avançada da ação direta, ainda podem incorrer no
erro de se desenvolver sem vínculo com as reivindicações objetivas das
categorias de base dos estudantes e trabalhadores. Esta dicotomia deve ser
rompida.
Trata-se, então, de questionar as velhas formas
pelegas do sindicalismo incorporando os novos elementos da luta de classes no
Brasil, de se permitir arejar e renovar diante do passo a frente que deu as
lutas populares. Falamos aqui de unir greves e barricadas, assembleias de base
e ocupações dos locais de trabalho e estudo, propaganda e ação direta.
A maior preocupação e empenho dos estudantes e
trabalhadores classistas e combativos hoje deve ser, então, ao passo que
desorganizamos os aparatos estudantis sindicais pelegos, organizar os setores
desorganizados: os trabalhadores precarizados, terceirizados, desempregados, moradores
dos subúrbios, os estudantes trabalhadores, estagiários, as bases das entidades
estudantis alheias a suas diretorias, enfim, os setores que foram às ruas de
forma explosiva e que as hegemônicas organizações da esquerda não os
contemplam. Cientes desta falta de credibilidade, devemos acertar o ponto da
critica a tais organizações sem que elas estimulem a inação, o quietismo e o
pessimismo nas lutas coletivas. Este será o maior desafio: desorganizar a
burocracia e auto-organizar os desorganizados. Defender modelos sindicais e
estudantis em que a base tenha o poder e o exerça por completo. Caso contrário,
continuaremos vendo o rechaço popular às formas de organização coletivas da
classe.
IV.
Aqui reside uma grande lição das lutas de agora: é
o caráter insubordinado em relação aos métodos tradicionais dos movimentos
sindicais e estudantis, incluindo também de alguns movimentos sociais mais
próximos do governismo, que deu a gigantesca proporção às lutas atuais. Deve-se
nesse ponto abdicar de qualquer dogmatismo e moralismo acerca do que em grande
medida diferencia essas jornadas das lutas populares que pipocavam no país até
então – a questão da legitimidade da autodefesa popular e da ação direta. É
preciso tornar claro que os destituídos, aqueles que se propuseram a pôr a
própria integridade física em risco a fim de diminuir vinte centavos da tarifa
de transporte, não dispõem dos meios institucionais e financeiros para terem
suas demanda atendidas. Pelo contrário, é somente através de sua força
coletiva, união e solidariedade, ao impor a governos e empresas suas
exigências, que o povo é capaz de se transformar em agente político efetivo.
Tomar prédios públicos, encerrar vias, ocupar o espaço público da cidade e
defender-se da polícia quando essa ataca são os meios à disposição dos mais
oprimidos para satisfazer suas demandas, o que demonstra a incapacidade das
vias tradicionais de canalizarem as vozes populares.
A questão da violência deve ser encarada como o
desenlace da repressão policial e da ausência de instrumentos efetivos de
empoderamento dentro da institucionalidade vigente. E não poderia ser
diferente: frente ao poder econômico, cuja preponderância no sistema eleitoral
é brutal, e a um aparelho de Estado que, contrariamente a todas as vãs
esperanças reformistas, se mostra completamente incapaz de se adequar as exigências
populares – principalmente nos seus braços econômicos e repressivos – é nada
mais do que natural esperar que o descontentamento popular exploda sem
conseguir ser mediado por nenhuma instância tradicional, seja ela partidária,
sindical ou jurídica.
Nesse ponto, é necessário que deixemos a
arrogância de lado e aprendamos um pouco com as massas que estão na rua: não
devemos opor os enfrentamentos nas ruas aos métodos do movimento de massa (como
greves por exemplos), tal como quer fazer o PSTU, mas sim buscar os elos a
serem construídos entre as táticas de manifestações de rua em curso e as formas
de luta empregadas historicamente pelo movimento sindical revolucionário. Se o
modelo de sindicatos que temos atualmente, com sua lógica política interna e
seu modo organizacional, não é capaz de dar respostas a essas questões,
provavelmente isso decorra do congelamento burocrático que suas direções
submeteram suas entidades, imortalizando-se no topo de uma estrutura
burocrática inerte e afastando-se suas bases. Talvez, inclusive, ao ser
ventilada pelas formas espontâneas e combativas de movimentos de rua, possa ser
possível romper com a inércia e a integração estatista que impera no movimento
sindical. Mas esse fim só será alcançado de baixo para cima, através da
construção de Oposições que atuem junto à base conscientemente com este
objetivo.
Essa tarefa, portanto, ainda está a ser realizada.
O potencial proletário só pode ser desenvolvido mediante sua luta, de acordo
com suas condições objetivas e subjetivas, em vistas de um programa concreto a
ser conseguido a partir de suas próprias forças. No ciclo de lutas iniciado em Junho e que teve,
acreditamos, um ilustre desenvolvimento na greve dos professores no Rio de
Janeiro e Goiânia, tais problemas eclodiram com emergência importantíssima.
Após um possível arrefecimento das manifestações de rua e dos ânimos públicos,
devemos nos manter atuando em cada uma de nossas localidades buscando dar
prosseguimento às manifestações de rua, tentando dar um programa classista às
reivindicações genéricas exigidas por parte considerável da juventude
trabalhadora do país. Cabe agora reestabelecer
a auto-organização popular em nossos espaços de sociabilidade – estudo,
trabalho e moradia – dando continuidade ao sentimento de falência das vias
tradicionais, partidárias e eleitorais, tão desacreditadas após o levante
popular de junho.
V.
A tática e a estratégia da auto-organização,
portanto, devem ser bem claras. A classe trabalhadora, através de suas
organizações de base, é capaz de realizar a luta política. Por luta política não
entendemos algo em dicotomia com a luta econômica. A luta política antecipa e
ao mesmo tempo é um desdobramento da luta econômica – na verdade, ambas estão a todo tempo
associadas. Grosso modo, luta política é luta por poder, pela gestão dos
ambientes de sociabilidade, da produção, da saúde, da educação, da distribuição
dos itens necessários a vida, das relações internacionais etc.; e a luta
econômica é a luta pela reprodução das condições de existência, é hoje a luta
por salários, por acesso à saúde pública, previdência social, moradia,
alimentação etc.
Por muito tempo, criou-se uma falsa dicotomia com
a tradição de que caberia aos movimentos sociais (estudantis, sindicais e
populares) fazerem a luta econômica, enquanto os partidos fazem a luta política.
Trocando em miúdos: sindicatos reivindicam salários e os partidos operam no
interior e junto ao Estado cuidando da macroeconomia e dos planejamentos
estratégicos da sociedade. A luta isolada dos movimentos, segundo os ideólogos
desta tradição, resultaria em economicismo – reivindicações por melhorias das
condições de vida que não rompem com o capitalismo. Logo, os movimentos
dependem dos partidos, pois a relação salarial depende da macroeconomia
(empresários sanguessugas sempre recorrem aos fundos públicos e ao Estado
exigindo isenções fiscais, desregulação das leis trabalhistas etc., e lá
estariam os "partidos dos trabalhadores" para mediar tais lutas).
Sabemos que há outras concepções da relação
partido-classe, porém esta descrita acima é a mais difundida. Seu exemplo
máximo é o PT, há uma década no governo federal, e em menor proporção
reproduzida por partidos como PSTU e PSOL. Mas qual o resultado desta
concepção? Ela se desenvolve em reformismo, e tão logo em colaboracionismo de
classes. Quer dizer, o PT não somente não foi capaz de assegurar direitos e reduzir
a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres – quando muito desenvolveu
políticas de assistência, elevação de renda e empregos formais, porém
superexplorados – mas em dez anos de governo garantiu recordes históricos de
lucro aos bancos, ao agronegócio, às empreiteiras, manteve todas as
privatizações do governo FHC e iniciou novas privatizações na previdência
social, nas rodovias, portos, aeroportos e ao leilão do petróleo à burguesia
internacional.
Ou seja, não se sustenta a crítica de que fatalmente
as lutas dos movimentos sociais por si só resultaria em economicismo. Pois o
suposto contrabalanço para que estas lutas econômicas se desenvolvam em luta
política por poder, via partidos eleitorais, se resume à gestão do Estado capitalista,
que produz e reproduz a exploração econômica dos trabalhadores e a exclusão
política da sociedade.
Qual seria, então, nossa compreensão da luta a
longo prazo? De que é necessário que o conjunto dos movimentos sociais se
desenvolvam com o objetivo de reorganizar a propriedade, baseando-se na direção
coletiva dos processos produtivos e econômicos e na política de mutualidade-redistribuição
com o propósito de que a renda nacional e mundial sejam repartidas de forma a
eliminar as desigualdades e hierarquias sociais. Isto implica a própria
reorganização do sistema educacional, de modo a atender universalmente e
capacitar manual e intelectualmente os trabalhadores, mas eliminando a
dicotomia trabalho intelectual/trabalho manual. Mas como devem ser garantidos
tais objetivos? Através da autodeterminação dos povos, ou naquilo que chamamos
de autogoverno dos trabalhadores. Quer dizer, o controle da produção e dos
processos decisórios na esfera da formação de mão-de-obra, produção e
circulação feito diretamente pelos produtores e consumidores.
Então, porque a luta política "precede"
e se "desdobra" da luta econômica? Pois ela inicia no interior da
organização dos estudantes e trabalhadores para que estes tenham o poder
coletivo da direção de suas próprias entidades. Estas lutas, entretanto, não se
prendendo as dinâmicas de apoios parlamentares e nem reivindicando o Estado
como juiz da luta de classes, devem necessariamente se desenvolver pela ação
direta. E ação direta significa enfrentar patrões, governos, mídias, polícias e
a justiça burguesa, pois ao fim elas visam o autocontrole de todos os espaços
de sociabilidade. É por isso que se faz necessário unificar as táticas dos
Black Blocs com as ações das entidades de classe, pois a ação direta deve ser
executada como ação de massas.
Iniciar o controle das entidades é a condição para
garantir as melhorias econômicas de hoje (salários, saúde pública, previdência
social, moradia, alimentação etc.), através dos enfrentamentos com a ordem
estabelecida, visando o autogoverno generalizado da sociedade (pela gestão dos
trabalhadores sobre os ambientes de sociabilidade, da produção, da saúde, da
educação, da distribuição dos itens necessários a vida, das relações internacionais
etc.).
Mas se estas entidades (sindicatos, grêmios,
associações, DCE, CAs etc.) não são democráticas nem cumprem sua função de
mobilizar sua base coletiva para lutar, elas devem necessariamente ser
destruídas ou transformadas. A tática organizativa da transformação destas
entidades, em nossa concepção, é a consolidação de Oposições. Não se trata de
chapas de oposição para eventualmente disputar as gestões. As Oposições de Base
são agrupamentos que paulatinamente disputam os rumos do movimento, sobretudo
militando para fazer agitação, propaganda e organização da base e criando
experiências de luta coletiva. Defendem as práticas coerentes com o autogoverno
dos trabalhadores, como as greves e ocupações, por exemplo, como uma ginástica
revolucionária.
Lutamos no cotidiano para que não sejam os
partidos eleitorais os veículos pelos quais os movimentos sociais busquem
representantes de nossas reivindicações. Afirmamos que somente tem legitimidade
para representar às reivindicações dos movimentos aqueles sujeitos de sua própria
base, eleitos democraticamente entre seus pares nas devidas instâncias, cuja
função será imperativa e os cargos revogáveis. Mas a atuação dos movimentos não
se exerce tão somente como forma representativa. Mas principalmente com poder
de pressão, e este nível é exatamente as manifestações de rua, as tomadas de
prédios públicos, de reitorias e escolas, de terras, a paralisação da produção
e do trabalho. Enfim é a não substituição dos trabalhadores e estudantes em sua
luta, é a ação direta.
É por este motivo que estamos construindo um
Encontro Nacional de Oposições Populares, Estudantis e Sindicais (ENOPES) em
novembro de 2013, no Rio de Janeiro (www.enopes2013.wordpress.com). Ele visa
dar substância e articulação entre oposições que atuam nas mais diferentes
frações dos trabalhadores. Pois o autogoverno da sociedade pressupõe a pluralidade
e a democracia, ou seja, dele devem participar todas as frações do
proletariado. Esta articulação do futuro começa agora: desde a criação das
oposições por local de trabalho, estudo e moradia; por sua coordenação
nacional; e pela sua evolução futura para uma Central de Classe que,
enfrentando o Estado e o Capital, obtenha o poder político e econômico sobre a
sociedade, eliminando a exclusão e a exploração.
Por fim, não devemos ter dúvidas: devemos defender
o amplo e democrático método do diálogo no interior dos movimentos para formação
política de nossas reivindicações e a defesa até as últimas consequências
destas reivindicações pelas manifestações de rua; sem receios, usemos e
aprimoremos os métodos combativos que nossos inimigos estão condenando, pois
são estes métodos a mais alta expressão do antagonismo de classes e da não
conciliação entre explorados e exploradores!
É barricada!!! Greve
Geral!!! Ação Direta que derrota o Capital!!!
Liberdade ou morte: Venceremos!!!
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